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        Pensei em entrar no carro, dar meia volta e ir embora. Porém, minha curiosidade pecaminosamente burra fora maior. E se houvessem outros? E se, além de mim, outros tivessem sobrevivido a praga? Então minha longa espera por ajuda não teria sido tão infrutífera quanto eu imaginara. Viver na completa solidão nas ultimas semanas não significava necessariamente que eu fora o único sobrevivente. Talvez outros também pensassem assim. Talvez, assim como eu, também se escondessem durante a noite e boa parte do dia, esperando pelo melhor e preparando-se constantemente para o pior.
        Enchi-me de coragem e caminhei devagar, até a porta da loja de conveniências.

        Demorou para que meus olhos se acostumassem com a mudança brusca na iluminação. O lugar estava escuro. O pouco de luz que ultrapassava o buraco feito na vitrine incidia diretamente sobre o balcão no lado oposto. Ali a caixa registradora estava aberta, e as notas haviam sido espalhadas pela mesa do balcão e pelo chão sujo, grudadas a uma grossa camada de poeira. Um monitor antigo de computador estava jogado ao pé do balcão, com o vidro trincado num intrigante emaranhado de oscilações que se entrecruzavam, ao lado do teclado já desprovido de algumas teclas. Um suporte de metal caira sobre ele, esparramando os pacotes amassados de salgadinhos sobre o chão. Uma teia de aranha brilhava no canto, parcialmente desmanchada pela ação do vento e provavelmente já abandonada há muito pela sua dona.
        - Olá... – Disse, procurando a qualquer custo controlar o tremor da voz. – Tem alguém ai?
        Nada. Apenas o silencio monótono da devastação. Caminhei devagar por sobre os destroços, cadeiras empilhadas, pacotes de salgadinhos, refrigerantes estourados... Uma maquina havia sido quebrada com o impacto da cadeira que atravessara a janela e despejava para fora algumas latas de refrigerante quente, formando uma camada de “coca-colas”, “fantas” e “goianinhos” pelo chão. As únicas cadeiras que não estavam completamente destruídas eram as que estavam grudadas ao chão, pelo suporte de metal que atravessava o solo. Apenas uma fileira de três, no máximo quatro, em frente a TV de plasma que jazia abaixo do suporte original do qual pendera e caira. Um emaranhado de poucos fios, amarelos, azuis e verdes se desprendia do interior da TV, como cobras multicoloridas mortas, consumidas pelo horror da destruição.

        - Olá... Tem alguém ai? – Repeti, tomando o cuidado de espreitar cada canto obscuro, mantendo a arma pressionada de leve sobre a cintura. Não percebi, durante um primeiro momento de adrenalina inconsciente, mas meus braços tremiam. Em parte por nervosismo. Por outro lado, deveria saber que tremiam, acima de tudo, por medo. Medo de não encontrar ninguém, medo de descobrir que todas as minhas esperanças haviam sido drenadas pela ação do tempo e do vírus mortal. Medo de ter de encarar a verdade. Medo de descobrir que eu fora o único sobrevivente de uma catástrofe global e que era apenas questão de dias (talvez meses, se pensasse pelo lado positivo) para que toda a raça humana se extinguisse comigo.

        - Oláááá... – Gritei, sem me importar que ouvissem. Que viessem todos eles. Que me atacassem e me destruíssem. Que acabassem logo com esse sofrimento e me transformassem em um deles. Ao menos assim eu me enquadraria nas estatísticas e deixaria de lado essa vida monótona e sem sentido. Todos os meus amigos estavam mortos. Todos os meus parentes, primos, tias, pais, irmãos... Todos mortos e enterrados... Por mim.
        - DESGRAÇADOS! SEUS DESGRAÇADOS FILHOS DA PUTA!

        Apanhei alguns pacotes de salgadinho, tomando o cuidado de verificar a data de validade, e sai, encarando novamente o sol que me cegou temporariamente. Entrei no carro e voltei para casa, desviando dos corpos em decomposição largados no meio das ruas.

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