18 de Dezembro de 2010.
Acordei de um sonho perturbado, precisamente as 03:00 da madrugada, estranhando o silêncio anormal do lado de fora. Em geral eles gemem. Sons distorcidos, palavras inarticuladas que acompanhavam seus gestos desconexos, enquanto movem seus corpos devagar, sem rumo. Mas naquela madrugada não havia nada daquilo. Nada que denunciasse a presença deles do lado de fora. Teriam evoluído? Teriam tomado as devidas precauções a fim de não denunciarem a presença deles ali? Seria possível? Será que em algum ponto, num canto obscuro de suas mentes perturbadas, eles ainda eram capazes de raciocinar em um nível mais elevado do que o simples “agir instintivamente?”. Não sei. E acredito que jamais obterei a resposta para essas perguntas. Isso me aflinge um pouco. Me torna impotente diante da situação. Preciso saber um pouco mais sobre com quê estou lidando. Mas como? O pouco de informação que me foi passado morreu junto com as mídias jornalísticas. Minha fonte de conhecimento se limita a um emaranhado de jornais amassados e um caderno velho, com duas ou três paginas de anotações.
20 de Dezembro de 2010.
Depois de dois longos dias, 48 monótonas horas, eles voltaram a fazer barulho. Como a visão da câmera de segurança que eu havia instalado na noite anterior era muito limitada, tive que usar a velha e eficiente tática de olhar pelo buraco da fechadura. A luz fraca dos postes que nunca se apagava iluminava seus contornos apodrecidos. Se juntavam em um pequeno amontoado de pessoas, espreitando as portas das casas, do lado de fora, caminhando com aquele andar lento, quase hipnótico, desprovido de energia, mas extremamente enganador. Sussurravam suas palavras desconexas, em tons guturais que podem fazer até com que o sangue do homem mais corajoso do mundo gele nas veias. Seus rostos estão machucados e a pele parece querer desprender-se do corpo. Alguns não tem braços, outros não tem pernas. Se arrastam pelo chão, deixando um rastro vermelho de sangue, como cobras venenosas prontas para dar o bote. Mulheres, crianças, adultos e idosos. Nenhum deles foi poupado pela praga. Reconheci uma antiga namorada entre eles. Estava, é obvio, muito diferente. Os olhos se reviravam nas orbitas, deixando a mostra apenas o branco da esclera. Seus braços estavam largados preguiçosamente ao lado do corpo, balançando como pêndulos de um relógio cuco defeituoso. Um grande corte varava seu peito, deixando a mostra os ossos, encobertos pela camada grossa de carne, rodeada pelo vermelho-escuro do sangue coagulado. Desviei o olhar, sentindo uma furtiva lagrima escorrer por sobre meu rosto e voltei para a cama. Não consegui dormir nessa noite.
23 de Dezembro de 2010.
Eles estão se tornando mais audazes, mais corajosos. Alguns já passam grande parte do tempo procurando por comida durante o dia. Provavelmente perceberam que o sol nada pode fazer contra eles, há não ser provocar uma incomoda ardência nos olhos. E creio que para eles, tanto faz. A maioria sequer ainda usa os olhos. Sentem a presença dos outros pelo olfato, pelo tato... Seus sentidos são extremamente aguçados e por Deus... Eu juro que ontem vi um grupo deles correndo atrás de uma mulher. Ela também estava contaminada. Soube disso porque pude ver a espuma branca escorrendo dos seus lábios, por entre os dentes serrados de fúria. Um dos homens do grupo atacou-a, sem piedade, sem se importar se era ou não da sua “espécie.”. Rasgou a carne do pescoço da mulher com os dentes extremamente afiados, como se cortasse um pedaço de papel com um canivete. Os dois rolaram pelo chão, com o sol queimando seus rostos manchados de sangue. A mulher cravou as avermelhadas sobre o globo ocular do homem que urrou, mas não de dor. Me parece que eles não sentem dor. Urrou de desapontamento. Em seguida foi a vez do homem revidar. Seguindo apenas seus instintos básicos de sobrevivência saltou por sobre a mulher, jogando o peso de seu corpo obeso sobre os contornos magros da outra. Os corpos de ambos chocaram-se contra o chão duro do meio da rua com um baque surdo, o homem gordo espremeu o corpo da mulher entre o chão e o seu peito. Ergueu os braços, segurando os dela na altura dos punhos e cravou os dentes em seu rosto. Um enorme naco de carne saltou por entre seus lábios e o sangue esguichava do rosto da mulher feito tinta de um tubo de aerossol. Outra vez o homem gordo abaixou o rosto, investindo com fúria contra o da mulher. Dessa vez um dos seus olhos saltou para fora das orbitas enquanto ela se contorcia e se esperneava com o corpo preso pelo peso do homem gordo, impossibilitada de revidar. A cena se prolongou por aproximadamente 10 minutos. Nos últimos 5 a mulher já não existia mais. O que sobrara dela tornara-se irreconhecível. Apenas uma massa pastosa de carne, queimando em meio ao sol quente de verão, alimentando meia dúzia de mortos numa cidade fantasma.
Imagem do ataque captada pela câmera de segurança |
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